Na sexta-feira santa, celebramos a paixão de Jesus que nos revela de forma mais explícita que Deus, na humanidade de Jesus, está totalmente solidário e próximo da humanidade que sofre. A morte de Jesus é a consequência de seu amor para conosco, por isto, a carta aos Hebreus nos diz: “sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência, por aquilo que ele sofreu” (5,8). Leia MaisA Redenção em Santo Afonso e na Vida RedentoristaPáscoa: deixar-se iluminar pela Palavra de Deus São Geraldo e seu amor ao Cristo Crucificado
O que aparentemente poderia reforçar uma apologia ao sofrimento, expressa a lógica da máxima liberdade do amor.
Quando passamos por sofrimentos que nos colocam em risco de morte, sobretudo aqueles provocados por terceiros, nossa tendência é estar fechados sobre nós mesmos e desejar o mal àqueles que nos ferem. Isto pode explicar os inúmeros Salmos, que imprecam castigos contra os inimigos.
No entanto, o que vemos na cruz, não é o ódio contra os inimigos. Lucas capta em sua profundidade o mistério do amor, quando coloca nos lábios do Crucificado as palavras “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (20,34).
No momento mais decisivo de sua existência histórica, Jesus supera a lógica da vingança, esvaziando-se a si mesmo. Ao invés de se fechar sobre si mesmo, volta o seu olhar para aqueles que o ferem, com olhos de misericórdia, sem os recriminar ou desejar-lhes mal.
Desta forma, a cruz de Jesus mata o pecado em sua raiz. Responder ao mal com o mal é se contaminar pelo próprio mal, que deixa de estar fora de nós para habitar em nós, continuando seu caminho de destruição e morte. Quando vencemos o inimigo pela força ou utilizando das mesmas armas dele, na realidade, nós é que fomos derrotados! Fomos vencidos pelo desejo de vingança e consentimos o mal em nosso coração, que passa a definir nossas decisões.
O sofrimento da morte, sobretudo provocada por outros, leva-nos a conhecer o mais profundo abandono e a mais aguda solidão do ser humano: “meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste”? (Mc 15,34). Nessa condição, extinguem-se a esperança e mesmo a fé, porque aí os horizontes estão todos turvados pelo sofrimento e não se vislumbram saídas. Nessa condição o ser humano encontra-se na completa nudez de sua fragilidade, restando-lhe somente neste momento a decisão de continuar amando ou desistir de amar.
Na cruz, contemplamos a maior e absoluta decisão de Jesus. Não obstante a violência de sua morte, ali no patíbulo da cruz, ele decide continuar amando, sem esperar mais nada, sem pedir mais nada, imergindo no mistério mais profundo da dor e abandonando-se ao silêncio. Leia MaisPapa clama que a Ressurreição role as pedras que oprimem a almaRessurreição, o Coração da Páscoa CristãMaria e a ressurreição de Jesus
Nessa condição, ele se revela verdadeiramente como Filho de Deus, amando até o esgotamento total de suas forças. Decidindo amar, Jesus mostra-se atento à vontade do Pai de salvar a humanidade (obediência) e revela que a única e autêntica liberdade do ser humano está no amor, que ama sem mais nada esperar até mesmo de Deus.
É sob este olhar que desejo ler a ressurreição. Nenhum dos evangelhos canônicos narra como foi o processo da ressurreição de Jesus. Certamente, se o fizessem, seria mais elemento de objeções que de esclarecimento. No entanto, na narrativa da ressurreição, é comum em todos eles a referência ao sepulcro. Nos evangelhos, não se fala que Jesus se antecipou à iniciativa das mulheres de irem a seu túmulo, revelando-se anteriormente aos discípulos. Desta forma, não obstante as particularidades de cada evangelho, os evangelistas dão relevância à necessidade de voltar ao sepulcro.
As mulheres, movidas de compaixão, voltam ao sepulcro não somente para chorar, mas com o intuito de dar um pouco de dignidade àquele cuja dignidade foi destruída pela infame morte da cruz. A lógica delas era totalmente diferente da dos discípulos, que não as acompanharam porque se deram por vencidos. Para eles, uma vez morto, Jesus já não era o messias esperado que iria restaurar a grandeza de Israel.
A visão do amor supera a lógica do pragmatismo do poder e da política, porque não se fixa na expectativa do “ganhar”, mas esvazia-se a si mesmo para que com a entrega de sua vida resgate-se a vida dos outros.
No caminho para o sepulcro, além da preocupação com a questão da pedra, certamente as mulheres comentavam sobre o amor e as atitudes de Jesus, que despertavam confiança, acolhimento, esperança. Não se visita aos túmulos para reforçar o sentimento de perda ou de morte, mas para fazer memória da vida, de tal forma que os mortos não ficam abandonados à solidão do sepulcro, mas continuam vivos e presentes nos vivos.
Marcos e Lucas falam explicitamente que as mulheres tinham a intenção de entrar no sepulcro para cuidar do corpo de Jesus. É algo estranho, porque para os judeus, tocar um defunto tornava a pessoa impura e, também para nós, porque sabemos o odor de morte que sai de um corpo começando seu processo de decomposição.
Aqui acontece um paradoxo interessante. Com certeza, superando o asco que um corpo em decomposição nos provoca, com os perfumes que levavam, elas desejavam amenizar esta situação. A referência ao perfume no texto evangélico talvez queira reforçar que o melhor perfume que podemos oferecer é a compaixão, como expressão por excelência de nosso amor para com Deus e com os semelhantes. O amor é o bálsamo para as feridas e exala o odor da esperança que nos ajuda a transcender a morte.
Voltando à referência ao sepulcro. Segundo a mentalidade judaica da época, as mulheres, tocando o corpo sem vida de Jesus, assumiriam como sua a morte dele, uma vez que ficariam impuras. Com este gesto, elas já estão assumindo como suas as próprias atitudes de Jesus, cujas mãos tocaram corpos de pessoas julgadas impuras. Quantas vezes Jesus teve de ficar fora das cidades ou foi visto com maus olhos porque se aproximara de pecadores e doentes? Conscientes deste risco, a expectativa das mulheres era de encontrar o cadáver de Jesus, resignando-se a ficar impuras por ter de tocá-lo para o lavar e perfumar.
O paradoxo é exatamente isto: ao invés de tocar um defunto e se tornarem impuras, elas é que serão tocadas pela presença do Ressuscitado, porque decidiram amar, superando a lei do puro e impuro. Em razão disto, não serão feridas de morte como Jesus, mas por meio dele serão vivificadas na esperança da vida plena, gerada pelo amor e se tornarão as primeiras apóstolas, enviadas para anunciar a ressurreição aos incrédulos discípulos.
O sepulcro de Jesus foi aberto não por força humana, mas pelo poder do amor de Deus. De lugar de morte e depressão, ele se converte em lugar de esperança e de vida para aqueles que decidem assumir como seu o estilo de vida de Jesus. O caminho do sepulcro, à semelhança do caminho de Emaús (Lc 20, 13-35), foi para as mulheres um memorial que as ajudou a recuperar na história de Jesus a ação das mãos de Deus, resgatando os pequenos, desprezados e feridos da humanidade e a tomar a decisão definitiva de suas vidas: amar.
Quando nós por nossas próprias forças (interesses e pontos de vista) queremos abrir nossos sepulcros, exalamos o cheiro da morte, porque dificilmente superamos o egoísmo e o autocentramento em nossos projetos. Nem mesmo o perfume de nossas boas obras superficiais consegue superar este odor de morte. A decisão de amar com plena gratuidade, coloca-nos no mesmo caminho de Jesus, quebra o egoísmo e faz que a força de Deus abra nossos corações (sepulcros), levando-nos a superar atitudes e opções geradoras de morte, para exalar o cheiro da vida e da esperança.
Voltar ao sepulcro leva-nos a compreender que a Ressurreição não é uma esperança para o além-morte. Quem ama já está ressuscitado porque no amor tem a vida do Ressuscitado em si. Se não voltarmos ao sepulcro, jamais experimentaremos a ressurreição. Voltar ao seu sepulcro é ter compaixão daquele que se compadeceu por todos, amando e servindo àqueles que ele amou.
Quando amamos a Jesus crucificado, aos que nos dizem que adoramos a um deus morto, respondemos que 'sim, na cruz Deus está morto'. No escândalo da cruz, nos é revelado o mais alto grau da compaixão-solidariedade, em que Deus se identifica totalmente com o gênero humano, deixando-se morrer para comunicar-lhe a vida verdadeira que tem sua fonte no amor.
Ao mesmo tempo, no Crucificado, todos os deuses que enganam os seres humanos são desmascarados. A cruz deve nos fazer conscientes que os deuses que provocam desunião e divisão têm de morrer para que um Deus de reconciliação e de perdão se revele na manhã da ressurreição. Todos os deuses que discriminam, condenam e punem, na cruz são feridos de morte para que se erga um Deus de acolhimento, que cura e integra todos os seres humanos com suas diferenças e limitações.
Os deuses de prosperidade e milagres econômicos e materiais, na cruz, perdem todo seu poder de sedução, para deixar que se manifeste o Deus que cuida e se faz presente nas condições mais simples da vida, despertando a alegria verdadeira e duradoura. Finalmente, os deuses da lei, da obrigação e da submissão política e religiosa são exorcizados pela cruz, para dar espaço ao Deus da liberdade, da relação amorosa e da fecundidade.
Ignorar a cruz e resistir voltar ao sepulcro é transformar Jesus num ídolo, manipulado pelos religiosos e poderosos, insistindo em estruturas que separam, classificam e discriminam as pessoas em superiores e inferiores. Na cruz, aprendemos que a ressurreição é um processo que iniciamos na história e só o concluímos na eternidade, quando o Pai que acolheu plenamente a vida e a história do Nazareno Crucificado, por meio dele, acolher também a nossa história.
Para quem assim acredita, a Páscoa não é apenas uma liturgia ou ufanismo estético de um culto a um deus triunfal, mas um caminho de toda vida, porque o Ressuscitado é verdadeiramente o Crucificado!
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Fonte: Pe. Marcelo C. Araújo, C.Ss.R.
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