Palavra Redentorista

Experimentar o deserto na vida espiritual

Pe. Rogério Gomes, C.Ss.R. (Foto Deniele Simões JS)

Escrito por Pe. Rogério Gomes, C.Ss.R.

21 MAR 2022 - 08H00 (Atualizada em 21 MAR 2022 - 09H40)

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Na caminhada espiritual de todo ser humano, aparecem momentos em que tudo parece um abismo e as respostas se esvaem. Há uma aridez, uma secura espiritual e tudo parece estar perdido. Surgem o desânimo, a vontade de ficar parado, de não mais caminhar. Caminha-se pelo deserto interior.

Por essa experiência passaram os grandes santos e místicos da Igreja, e todo aquele que ousa construir seu itinerário atravessará por esse feliz momento!

A experiência do deserto é fecunda, embora seja dolorosa. Somos confrontados conosco mesmos, com nossas “feras” interiores, quando nos confrontamos com aquelas situações que nos afastam e dividem.

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O deserto é o momento de libertação das amarras que criamos para nós mesmos. Faz-se necessário deixar essas situações interiores que nos prendem, se queremos caminhar. Portanto, o deserto é lugar do confronto e do amadurecimento.

Assim, vale a pena buscarmos a experiência das Sagradas Escrituras para a nossa compreensão, aprofundamento e elaboração de um itinerário espiritual.

A experiência do Povo de Deus

Parece não haver, na história, um povo tão experiente em deserto quanto o Povo de Israel, a começar pela estrutura geográfica e as experiências de itinerâncias. O deserto, nas Sagradas Escrituras, pode ser tomado como referência geográfica, no seu sentido real, ou no sentido conotativo, fruto de uma experiência de um povo peregrino, como lugar teológico.

Nosso objetivo é resgatá-lo em ambos os sentidos e depois situá-lo no processo do itinerário espiritual. Fazer a experiência do deserto implica deixar o medo para trás.

O deserto pode ser entendido como o local de conflito, da derrota, da peregrinação, de se compreender a si mesmo como ser errante, peregrino na história. Alguns capítulos dos livros do Êxodo e dos Números narram a experiência de caminhada do povo de Deus pelo deserto. Nesse itinerário, o povo de Deus passa por situações diversas, que o vão levando a compreender os desejos e as promessas de Deus.

O deserto é ponto de encontro, é onde se celebra a Páscoa, oferecendo ao Deus libertador sacrifícios. É também onde se faz a experiência da proteção divina, coloca-se em marcha e se faz a experiência do limite.

Ao longo desse caminho, o povo toma consciência dos seus pecados, das suas fraquezas, fica desanimado e perde a esperança. Passa pela experiência da morte e da perda de identidade. O deserto torna-se o lugar da sede, da amargura, da fome, da provação (Ex 15, 22), do descontentamento, da falta de estrutura, do desânimo, do desejo de retornar ao que era antes, à segurança da terra do Egito (Nm 11,5.14, 2).

Experimenta a indigência, a provação e a necessidade de caminhar errante, devido às infidelidades.

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Assim, o deserto na Sagrada Escritura é sinônimo de provação, bem como de renovação espiritual: “por isso, eu mesmo a seduzirei e a conduzirei ao deserto e lhe falarei ao coração.” (Os 2,16s)

O povo sentiu fome e sede. Entretanto, Deus os alimentou com o maná (Ex 16) e saciou a sede, fazendo brotar água do rochedo (Ex 17,1-7). A experiência do deserto foi pedagógica, pois fez com que passassem a seguir a Deus com fidelidade (Jr 2,2).

Entretanto, na caminhada, houve contestações, revoltas e desgostos, pois o povo foi tirado do comodismo, chamado à nova experiência. O deserto é o preço da libertação para se ver livre do Egito. É o lugar da tomada de consciência: quem quer se tornar livre, passa pela insegurança e a sequidão para se libertar das amarras de si mesmo.

O deserto é a experiência da limitação e do dom amoroso de Deus ao seu povo (Nm 21,18). É um lugar em que, apesar da sequidão, há ainda uma fonte que jorra água (Gn 16,7). É onde se pode ver a glória de Deus amoroso sem obstáculos.

O Levítico recorda que é no deserto que se apresenta a oferenda a Deus e se faz o ritual de expiação. Depois do ritual, tomava-se o bode expiatório e se lançava-o ao deserto. Para os israelitas, o deserto era o local da habitação do demônio.

Em Números, encontramos a narrativa do povo caminhante. Neste livro, dentre as muitas referências ao deserto, nós o temos como o local onde Deus fala com Moisés, no Deserto do Sinai. É no Sinai que o povo faz a profunda Aliança.

A geração infiel a Deus morre durante a caminhada do deserto (Nm 32,13), ficando uma nova geração, purificada, marcando profundamente a relação do Povo com Deus.

O deserto é um lugar terrível, mas por ele se caminha até a montanha. É o lugar de obstáculos, da fragilidade da vida, e também da ação beneficente e providencial de Deus, salvando o seu povo sempre dos perigos. Em Dt 1,29-33, há um relato muito interessante mostrando Deus como um Pai que conduz o filho no caminho.

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Assim, Deus é aquele que vai à frente do povo no deserto, mostrando por onde deve andar. E este povo prova o amor e a fidelidade de Deus. No deserto, o povo experimenta a presença de Deus na história e que o salva.

O deserto é onde se faz o redirecionamento de uma rota; isto é, por ele, mudam-se as atitudes. É o lugar em que Deus conquista o povo. Em Dt 8,1-6, Deus aparece como tentador, isto é, faz uma experiência com o seu povo, a fim de conhecê-lo e saber o que ele tinha no coração.

É no deserto que Davi escapa das mãos de Saul (1Sm 23,14). Portanto, é também local de conflito e de fuga (Js 8,20). É onde há perseguição, insegurança e se faz a experiência do medo. Os Macabeus, para resistirem à invasão helênica, se retiraram para o deserto (2Mc 5, 27) como meio de se protegerem.

Em Isaías, a imagem do deserto muitas vezes aparece desoladora. Devido ao exílio, o profeta compara Jerusalém a um deserto. Por vezes, traz o sentido da esperança profética isaiânica: “porque no deserto jorrará água e torrentes na estepe” (Is 35,6); “transformarei o deserto em açudes (...) plantarei no deserto o cedro e a acácia..." (Is 41,18-19).

Nesse sentido, o deserto representa a renovação das esperanças perdidas.

Além de todas as imagens que temos sobre o deserto, ele nos é apresentado como lugar da manifestação de Deus. É o Deus-Caminhante, que marcha com o seu povo. É, ao mesmo tempo, lugar da manifestação da graça, e também da ruína, da ausência de vida, da solidão desoladora, da fome.

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Em Oseias, há uma referência muito interessante. O deserto é o lugar da sedução, onde se permite falar ao coração (Os 2, 16) e é onde Deus conhece o seu povo (Os 13,5).

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Pe. Rogério Gomes, C.Ss.R. (Foto Deniele Simões JS)
Pe. Rogério Gomes, C.Ss.R.

Missionário redentorista, formado em Filosofia e Teologia, com doutorado em Teologia Moral. Lecionou no ITESP e na Academia Alfonsiana de Roma. Atualmente é Conselheiro do Governo Geral da Congregação Redentorista.

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