O conceito ético-teológico de misericórdia nos remete à complexidade das relações humanas. Contudo, o ato de dizer e propor misericórdia é complexo e contempla muitos significados.
Disposto em contextos particulares, em que acontecem experiências de vida no jogo das intersubjetividades, seu dizer supõe inúmeras conotações que aparentam ser um código comum na comunicação, contendo um mesmo sentido ético e altruísta para todos.
De modo geral, o conceito de misericórdia, vinculado também à ideia de perdão, é entendido como uma ação benfeitora, isto é, uma concessão dada a um indivíduo em situação desfavorável à que se encontra o benfeitor.
Um olhar mais preciso mostra que a palavra "misericórdia" é formada por miseri (miserável) + cordis (coração). Miseri é forma genitiva de miser, adjetivo do qual se origina "miséria".
Misericórdia é o movimento de colocar o coração junto, ao lado, na direção do miserável.
Enraizada nas fontes bíblicas e na Tradição teológica e espiritual da Igreja,"a misericórdia é o nome mais belo de Deus; a forma mais bela de nos dirigirmos a Ele” (São João XXIII), e “é próprio de Deus usar de misericórdia, e nisso, manifesta-se, de modo especial, sua onipotência” (Santo Tomás de Aquino). Ela é exclusividade de Deus e se refere ao modo d’Ele, que “é o Amor” (1Jo 4,8), manifestar-se.
Deus se revela na história e, conosco, proporciona-nos experiências de amor, ensinando-nos a sermos misericordiosos. Por isso, assumir a revelação de Deus como misericórdia é fazer uma experiência de aprendizagem do amor e não assumi-la puramente como mera concessão.
O tema da misericórdia evoca, geralmente, o Sacramento da Reconciliação, embora não se reduza a ele, e está ligado à prática da confissão, a qual aparece, por vezes, ladeada de objeções: “o padre é um pecador como eu”; “não necessito contar meus pecados a outro pecador”; “basta confessar os próprios pecados diretamente a Deus”. A recusa de buscar a confissão pode derivar de muitos fatores, entre eles, a não aceitação de que Deus possa usar instrumentos humanos para redimir a humanidade, a falta de catequese, atendimento ausente ou deficitário e/ou experiências traumáticas com sacerdotes insensíveis e legalistas. O Papa Francisco recorda que “o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor, que nos incentiva a praticar o bem possível” (EG n. 44). Afinal, o que é o Sacramento da Reconciliação e por que confessar-se?
O Sacramento da Reconciliação é Sacramento de conversão, de penitência, de confissão e de perdão (CIC números 1423-24). Embora todos esses conceitos conduzam à mesma direção, é preciso ter consciência da globalidade e do processo que evocam, cuja finalidade é a reconciliação com Deus e os irmãos. A palavra "conversão" deriva do verbo μετανοεῖν, que significa "transformar-se", "mudar de mentalidade".
Esse feito não é imediato, mas demanda um processo gradual de aprendizagem. A parábola do credor incompassivo expressa bem o significado da misericórdia e do perdão enquanto aprendizagem (cf. Mt 18,23-35). Confessar é reconhecer que somos peregrinos na história, irmãos com irmãos, pecadores, frágeis e carentes de aprendizados. Por vez, o confessionário não pode ser reduzido a um "mercado" de concessões, um lugar onde se oferece o perdão, é preciso situá-lo como parte de um processo que demanda acolhida, acompanhamento, discernimento e integração .
A confissão, como caminho metodológico do Sacramento da Reconciliação, põe em consideração uma aparente desigualdade existente na relação entre penitente e confessor. Nem o confessor é todo empoderado nem o penitente é completamente paciente, desprovido de forças e possibilidades.
A equidade dessa relação deve ser alcançada por meio do diálogo fraterno à luz da Palavra de Deus. Santo Afonso, patrono dos confessores, assinala alguns ofícios do confessor que o coloca, não como o senhor da misericórdia, mas como um parceiro em diálogo:
1- Pai/Pastor: acolher o penitente no coração e se dispor a uma escuta sincera e empática;
2- Médico: avaliar as circunstâncias atenuantes, diagnosticar a enfermidade espiritual e discutir caminhos para superar problemas e fragilidades;
3- Teólogo/Doutor: propor e esclarecer os princípios da fé, motivando e sugerindo o crescimento espiritual;
4- Advogado: defender e fortalecer a consciência do penitente para que ele possa, por si, discernir e tomar decisões;
5- Juiz: defender a comunidade e as vítimas ofendidas em virtude da situação confessada.
Em síntese, a partir das propostas de Santo Afonso para os confessores e para o Magistério atual, podemos sublinhar duas considerações sobre o Sacramento da Reconciliação: uma, que se refere aos objetivos da confissão, e outra, que trata da preparação do confessor.
A confissão, no âmbito pessoal, é a abertura do coração à ação redentora de Deus. Ela assinala o desejo de conversão, marca o início de um processo de formação da consciência, favorece o crescimento moral e proporciona a experiência educadora da misericórdia de Deus. Para isso, a confissão não pode ser um feito isolado, mas sim parte de um processo que inclui também o acompanhamento espiritual.
Ademais, a preparação do confessor é fundamental para que a confissão alcance seus objetivos. O confessor deve buscar uma sólida, equilibrada e contínua formação moral, que leve em consideração, não somente as disciplinas teológicas, mas também as ciências humanas, com alcance interdisciplinar e global. Contudo, o ofício do confessor não pode se confundir com o do psicólogo, fazendo-se "profissional do sagrado". A base de toda formação humanística do confessor deve ser a experiência pessoal da misericórdia e seu horizonte de discernimento, uma vida pautada na oração, na ascese, na meditação e na contemplação.
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