“Que coisa é o homem, para dele vos lembrardes, que é o ser humano, para o visitardes?
No entanto, o fizestes pouco menor que um deus, de glória e de honra o coroastes.
Vós o colocastes acima das obras de vossas mãos, tudo pusestes sob seus pés...” (Sl 8,5-7).
Assim pergunta e responde o salmista sobre o homem e o seu lugar na criação. De outra forma: "Que coisa é o homem, para dele vos esquecerdes, que é o ser humano para não o visitardes? No entanto, o fizeste pouco menor que um deus, desprovido de glória e de desonra o coroaste. Vós o colocaste abaixo das obras de vossas mãos, sob os pés de tudo o colocaste”.
Certamente essa é a pergunta não do salmista, mas dos seres humanos hoje, perdidos em meio à criação, com sentimento de profundo abandono divino e até mesmo humano.
O ser menor que um deus, agora se encontra novamente nu. Despido de suas seguranças, experimentando do próprio pó, convivendo com a sensação de estar perdendo, a cada dia, um pouquinho de si, sem vislumbrar um horizonte que parece não ter nenhuma luz. Caíram a glória e a honra da coroa de um Criador que desaparece do jardim, não fazendo nem escutar seus passos.
Outrora, Ele perguntara a Adão: “Onde estás?” (Cf. Gn 3,8-10). E o homem, com medo da própria nudez, esconde-se. E agora, este homem, desolado, pergunta a Deus: "Onde estás?" E Deus, nu, despojado de sua onipresença, onipotência, onisciência e tantos atributos, se esconde...
Capricho divino? Um teatro no grande palco do Universo, com sua arte cênica de reinterpretar a vida de outros modos e ver, no silenciar e na nudez divinas, a ruptura de nossas expectativas transcendentais e dos deuses que criamos e que, ao longo do tempo, vamos fazendo deles nossos ídolos, nos apaixonamos por eles e, no momento mais agônico, eles nos abandonam, porque, no fundo, são nossas expectativas divinizadas?
Deus onde estás? Por que não nos chamas? Por que não escutamos seus passos? Por que silencias?
Então, despidos de nossas coroas de honras e glórias, começamos a perguntar, mediante ao mal que assola a humanidade, em forma de vírus, recolocamos a pergunta sobre o divino e a sua presença. E em meio ao jardim de medos, vamos aos poucos descobrindo o Deus que nos pergunta onde estás e ouvimos os seus passos.
Deus, onde estás? Eis a dramática pergunta humana, desde as origens até hoje...
Caminhando na escuridão do mundo, vamos encontrando pequenos fragmentos de que Deus está misturado com o sofrimento do mundo e com ele sente, pois o mundo proveio d'Ele. Deus está ali, onde não vimos, nas encruzilhadas, nas ruas sem saída, nos becos, com Sua nudez que nos escandaliza, e nos faz fechar os olhos para não vê-Lo e não querer vê-Lo...
Ali está Ele, em cada ser agonizante que não pode despedir de seus entes queridos e naqueles que sofrem, pois não puderam celebrar seus ritos de despedidas e fecharem o seu luto, que permanecerá aberto, com imensa dor.
Está ali nas lagrimas que caem... na flor que não foi dada... nas cinzas dos corpos... Está ali, o divino, caminhando silenciosamente, em meio às tribulações no mundo, na pessoa de homens e mulheres que doam até o último respiro para salvar a vida ou para aliviar a dor de estranhos que se fazem profundamente próximos.
Leia MaisNão pode comungar? Reze a oração para a comunhão espiritualA onipotência, a onipresença, e onisciência se fazem compaixão, proximidade, sabedoria que escuta a dor do medo da finitude, no silêncio que escuta e respeita o respiro dolente.
Deus, onde estás? Estás ali, chorando, recolhendo os mortos, frutos do egoísmo humano, que fizeram o próprio jardim se rebelar na escura noite, fazendo Pandora abrir sua caixa-surpresa à humanidade.
Estás ali, recolhendo mortos para levá-los para Tua casa e, apressado, curando a quem não consegue respirar, através de Teu sopro de vida. Segue ali, no silêncio, caminhando, perguntando pelo ser humano, sem olhar a sua nudez...
Deus onde estás? Deus não está... Ele não está onde se mercantiliza e descarta a vida de seres humanos, que valem somente enquanto possuem suas forças para servirem ao deus-dinheiro, que ceifa a vida de tantos e banqueteia a poucos que se impõem sobre os demais através de sua onipresença, onipotência, onisciência.
Ele não está onde se deixa morrer em nome dos discursos políticos, econômicos e bélicos e da falta de humanidade com a dor alheia. Não está em quem não sente a dor e a aflição do outro, que clama pela possibilidade de poder viver. Não está no grito dos tiranos que ensurdecem os pequenos e não os deixam escutar a voz da alegria, pela possibilidade de viverem em um lugar onde são considerados pessoas.
Não está naqueles que se servem do nome divino, manipulando a fé simples do povo, transformando-a em fundamentalismo, para manterem um sistema e alimentar os deuses templários e pagãos.
Deus não está onde impera o mal, naqueles que impõe cruzes à humanidade. E no seu silêncio, ele grita e sofre da dor da e com a humanidade. E no silencioso grito divino, surge a ressurreição. Ali está... onde não estava Deus, para tudo começar novamente.
Em um momento escuro da humanidade caem-se as máscaras pessoais e as fantasias divinas. Resta apenas aquilo que Deus é, em sua nudez, em sua essência. Deus onde estás?
“Eu só peço a Deus, que a dor não me seja indiferente,
que a seca morte não me encontre,
vazia e sozinha sem ter feito o suficiente” (Mercedes Sosa).
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