Por Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R. Em Palavra Redentorista

Os Redentoristas de São Paulo e a Gripe Espanhola

No início do século passado, a Comunidade Redentorista que existia no bairro da Penha foi lugar de ação apostólica e caritativa para a população durante a Gripe Espanhola. Confira o relato. 

Depois de mais de um século, o Brasil e o mundo vivem uma nova e potente pandemia provocada pelo Coronavírus. Já se sabe que as consequências serão bem mais danosas que aquelas provocados pela Gripe Suína provocada pelo vírus H1N1, por exemplo, que afetou o mundo há 11 anos atrás.

A respeito da Gripe Suína, a OMS (Organização Mundial da Saúde) classificou a Gripe A iniciada no México como pandemia, ao atingir 79 países do mundo. Ela durou de abril de 2009 até agosto de 2010.

Desastre mundial

No início do século XX, os horrores da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) são relacionados não apenas ao poderio bélico dos países envolvidos no conflito, mas também às epidemias que grassavam entre os soldados e população civil. A pior delas, em apenas dois anos matou milhões de pessoas na Europa, atingindo também outras regiões como o Brasil. Os números falam de 20 a 50 milhões de mortes.

A gripe espanhola foi uma variação do vírus Influenza (comumente associado às gripes recorrentes e ao H1N1). Essa mutação do vírus da gripe começou na Espanha no início de 1917, chegando ao Brasil em outubro de 1918, através de pessoas infectadas que desceram de um navio que vinha da Inglaterra.

O primeiro caso foi confirmado no Brasil no dia 15 de outubro de 1918. As semanas seguintes foram de temor e terror, enquanto as autoridades tentavam combater a pandemia de alguma forma. Ela se tornou uma das mais resistentes doenças de todos os tempos e sua letalidade variou de 6% a 8% durante o surto.

A Gripe Espanhola infectou 27% da população mundial e milhares de pessoas no Brasil.

Precisa-se que mais de 35 mil pessoas tenham morrido no nosso país. Uma delas foi o presidente Rodrigues Alves, que faleceu antes de assumir a presidência pela segunda vez.

As precárias condições de saneamento e higiene, a desinformação e a precariedade ou desorganização do sistema nacional de saúde contribuíram para o agravamento da situação.

Uma comunidade redentora

A Gripe Espanhola afetou toda a cidade de São Paulo, mas alguns bairros foram mais atingidos, por serem populares, onde moravam grandes parcelas da população paulistana.

Entre eles podem ser citados os bairros da Mooca, o Brás e também o da Penha onde existia uma Comunidade Redentorista.

A Comunidade Redentorista da Penha foi instalada no ano de 1905 para atender uma vasta região da zona leste da cidade de São Paulo, região que se prolongava da Penha até Itaquaquecetuba. Os redentoristas atendiam os devotos que procuravam o Santuário de Nossa Senhora da Penha e ainda colaboravam na pregação das Santas Missões.

Durante a Gripe sua atuação foi decisiva no atendimento não só da população da Penha, mas também de outros bairros da capital uma vez que, como bem mostram as crônicas domésticas da comunidade, deve-se à Igreja em geral e aos redentoristas a maior parte do socorro à população flagelada, minorando seu padecimento.

Comissão do Patrimônio Histórico Provincial
Comissão do Patrimônio Histórico Provincial
Vista da antiga fachada do Santuário N. S. da Penha em 22 de agosto de 1935.


Falam as crônicas

Cada comunidade redentorista, graças a um feliz costume recebido dos pioneiros alemães, deve ter a sua crônica onde são registrados os principais fatos relacionados à comunidade.

Percorrendo as páginas da crônica da Comunidade da Penha e lendo a correspondência oficial que se trocava com os superiores locais e com o Superior Maior, em Roma, percebemos uma ação caritativa e religiosa impar da comunidade redentorista.

Na crônica de outubro de 1918 há o primeiro registo da Gripe Espanhola e as primeiras atividades da Comunidade.

Reprodução.
Reprodução.
Antigo folheto traz orientações para a população na Gripe Espanhola.


Com o crescimento do número de infectados pela Gripe Espanhola os padres não conseguiam vencer o trabalho já que competia aos missionários não só os exercícios religiosos como unção aos enfermos, exéquias e atendimentos, a realização de procissões de cunho penitencial, clamando de Deus a cessação do flagelo, como também atividades sociais e caritativas como a distribuição de remédios e doação de esmolas e alimentos.

Contam as crônicas que no fim de outubro “a gripe tomou na Penha medidas assustadoras; os padres quase não podiam vencer o trabalho”.

Com o alargamento da crise instalaram-se dois hospitais de campanha no bairro para que se tivesse mais condições de atender os caos mais complicados. As atividades como catequese foram encerradas, também porque o salão paroquial tornou-se o lugar onde se guardavam os caixões para as pessoas que faleciam.

A preocupação da comunidade estava em socorrer os necessitados, sobretudo, os de condição mais humilde, uma vez que o próprio governo, impossibilitado de atender a todos, delegou esta missão à comunidade.

A epidemia não ficou restrita à capital, mesmo sabendo que neste tempo o Bairro da Penha era separado da cidade de São Paulo, mas chegou também ao interior, fazendo com que os trabalhos missionários fossem interrompidos: “Inesperadamente, em fins de outubro, chegou de Bariri o Padre Estêvão, que de lá tinha de ausentar-se, devido a epidemia da gripe, que também lá se declarara de um modo espantoso”.

Outras localidades onde existiam comunidades redentoristas como Aparecida, Bom Jesus dos Perdões, em São Paulo, e Trindade, em Goiás, também oferecem registros do alastramento da Pandemia.

Novembro gripado

O pico da epidemia da Gripe Espanhola aconteceu nos meses de outubro e novembro, conforme nos narrou o cronista da casa. E como a gripe não poupava ninguém, membros do clero também sucumbiam aos seus efeitos: “O mês de novembro despontou gripado, e de toda as partes ouviam-se lamentos de novos casos de gripe; por vezes famílias inteiras guardavam o leito sem terem quem as tratasse. Dois vigários da Capital sucumbiram, outros caíram enfermos”.

Os trabalhos da comunidade eram intensos, tanto nos sentido pastoral como também no social e, como já se podia esperar, alguns dos padres também sentiram os efeitos da gripe: “Os padres Barros e Chagas foram levemente atingidos da gripe, os padre superior e Francisco sentiram alguns sintomas da doença”.

Apesar disso, os doentes receberam, enquanto possível, todos os recursos médicos e espirituais. Diversas paróquias da cidade e arredores, solicitaram padres da Penha para ajudar no trabalho de atendimento dos doentes.

A Gripe Espanhola se alastrou pelo bairro e pela cidade de São Paulo. E assim narra o cronista, falando do resultado do trabalho dos redentoristas:

“Aos 2 de dezembro foi entregue ao senhor Arcebispo um relatório do qual extraímos o seguinte: Durante o tempo da gripe, isto, desde o dia 29 de outubro até 2 de dezembro, na paróquia da Penha foram feitas 1.328 visitas aos enfermos; em domicílio foram socorridos 3.438 enfermos, visitados 3.813 doentes, socorridos nos postos 2.444 pessoas, hospitalizados 148 doentes. Foram feitas 1.158 visitas médicas. Foram distribuídos 1.499 vales de gênero, 1.225 vales de carne, 325 vales de leite, 690 vales de medicamentos, 1.050 pratos de sopa", narra o cronista. 

As paróquias anexas também foram largamente auxiliadas e um dos locais de maior movimento no atendimento aos infectados era o Hospital do Brás: “Os padres lá estiveram quase todas as terças e sextas-feiras e muitas vezes aos domingos. Durante a gripe o padre ia muitas vezes, quase todos os dias, ouvir as confissões. Muitos também receberam os sacramentos morrendo na amizade de Deus”.

A gripe foi se alastrando, chegando ao interior e provocando grande dano, sendo do mês de setembro de 1919 os últimos informes sobre sua propagação em São Paulo, com os efeitos restantes sendo muito pequenos.


Escrito por:
Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.
Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

Missionário redentorista graduado em História da Igreja pela Universidade Gregoriana de Roma, já trabalha nessa área há muitos anos, tendo lecionado em diversos institutos. Atuou na área de comunicação, sendo responsável pela comunicação institucional e missionária da antiga Província Redentorista de São Paulo, tendo sido também diretor da Rádio Aparecida.

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