Sempre quando começo a escrever sobre um determinado assunto, a primeira coisa que faço é andar a um dicionário ou a uma enciclopédia para verificar, de modo muito geral, o significado das palavras. E foi justamente isto que fiz quando me sentei para escrever este brevíssimo artigo.
Fui buscar no dicionário o significado da palavra “violência”.
Na breve leitura, me dei conta que frequentemente ligamos este conceito a um ato extremo de guerra ou agressão física direta e não nos damos conta da amplitude do conceito e de como, de modo muito sutil, nosso cotidiano relacional tem se tornado um lugar onde os atos violentos têm acontecido sempre mais cobertos por uma inquietante capa de “normalidade”.
Pensemos na dinâmica do ato violento... Isto pode parecer elementar, mas é muito importante, antes de tudo, dar-se conta dos elementos presentes:
- Primeiro, o ato violento acontecerá sempre no âmbito relacional, ou seja, é sempre em uma relação entre partes que ele pode vir a se realizar. Sendo assim, dependerá do lugar ocupado pelas partes em relação, seja ele físico ou simbólico.
- O segundo importante elemento é que a violência se caracteriza sempre como o exercício de uma força desproporcional de uma parte sobre a outra. Faça atenção ao termo “desproporcional”: isto é, no contexto relacional, esta força exercida está sempre fora do “propósito” da relação; é descontextualizada.
- Já o terceiro elemento diz respeito à forma desta força ou ato desproporcional, que pode ser de caráter físico ou moral (ameaças e desmerecimentos, por exemplo).
Assim, despontam em nossa reflexão dois elementos principais: a relação em seu significado profundo e sua desvirtuação na desproporcionalidade dos atos de uma parte sobre a outra.
Desta forma, aprofundemos um pouco mais!
Toda relação dita suas normas a partir de seu significado mais profundo. Por exemplo, o matrimônio alicerçado sobre a fé cristã, se compreende como uma união de dois iguais em dignidade filial, mas diferentes em individualidade, na qual esta diferença leva sempre à fecundidade (compreendida em sentido amplo) em vistas do crescimento do casal e da humanidade.
A regra de base da relação matrimonial, portanto, será sempre o amor fecundo, que supera dificuldades, vive alegrias e, principalmente, estabelece-se em respeito pela vida que o outro é e de sua doação de significado à vida da outra parte, de modo que os dois se entendem como “um”.
Fecundidade, diferente de “clonagem”, é sempre abertura e respeito que não permitem ao indivíduo “matar” o diferente, em atitude desproporcional/violenta. Todo ato que, em sua desproporcionalidade, visa diminuir, submeter ou “matar” o outro, foge à dinâmica do amor fecundo, desvirtuando a relação na violência.
A anormalidade que fiz menção no título deste breve artigo, e que parece estar se tornando “normal”, diz respeito a esta desproporcionalidade tantas vezes mencionada nos parágrafos anteriores.
Quando me coloco a pensar em fenômenos como o racismo, o feminicídio, os “haters” das atuais redes sociais, bem como a qualidade do discurso político em tantos lugares no mundo, me pergunto onde foi parar aquilo que a sociedade moderna assumiu como um dos seus pilares e que o cristianismo sempre ensinou: a inalienável dignidade humana.
O nível de desproporcionalidade nas reações me leva a ver uma sociedade que se está construindo no egoístico e falso desejo de indivíduos “clonáveis”, de morte da dignidade em vistas do império de um “Eu-produto”. O problema é que esta dinâmica portará sempre à guerra, que pode construir mercado, mas jamais gerar vida.
A linha tênue que separa o ato de força em vistas de garantir a relação ameaçada e a desproporcionalidade da fúria imatura de um “Eu-imperador”, infelizmente, já foi ultrapassada. A imaturidade, infelizmente, é vista por tantos como força. Duas perguntas me restam: “aonde vamos parar?” e “será que ainda dá tempo de voltar?”.
Minha resposta para a última pergunta pode parecer ingênua, mas ainda tenho fé...
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Fonte: Akikolá Província do Rio.
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