ASSASSINADO POR SER PADRE E RELIGIOSO
Natural de Campo, província de León, onde nasceu aos 11 de dezembro de 1871, padre Antônio Girón contava 64 anos no dia de seu martírio. Entre os martirizados da Comunidade do Perpétuo Socorro, era o mais idoso.
Nos casos como o do padre Girón pode-se notar o caráter claramente antireligioso da perseguição comunista da Espanha. Retirado já havia anos da atividade missionária, o piedoso sacerdote santificava-se caladamente dentro das paredes dos diversos conventos aos quais o ia destinando a obediência religiosa. Desempenhava cargos apenas internos, que nenhuma influência tinham externamente, o que o fazia um perfeito desconhecido para o mundo. Mas Antônio Girón era sacerdote e religioso. Na falta de uma, eis aí duas razões para levá-lo ao martírio.
A mãe de Antônio, além de ter três irmãs freiras e dois irmãos padres, daria à Igreja um filho como religioso e uma filha como religiosa.
A primeira idéia de Antônio foi ser padre diocesano e, de fato, começou, em 1882, a estudar como externo no Seminário da Diocese de Astorga. E como diocesano foi quase até o fim dos estudos de Filosofia, quando certo dia Deus lhe coloca no caminho alguns noviços redentoristas. Cruzou com eles na calçada e ficou impressionado com sua atitude recolhida e piedosa. A partir daí, a idéia de ser religioso foi tomando conta de seu coração, até que, afastando as dúvidas, decidiu e foi bater na porta do convento redentorista.
Foi admitido. Tomou o trem e se dirigiu a seu povoado, para comunicar a decisão à família e despedir-se dela. Qual não foi seu espanto, porém, ao dar com a oposição ferrenha de toda ela, principalmente de dois irmãos e, pasme-se, mais ainda de sua piedosa mãe.
Quem acabou convencendo a mãe foi uma vizinha, ao dizer-lhe que, como religioso, seria mais fácil Antônio chegar a bispo. Os dois irmãos, no entanto, permaneceram firmes na oposição. Um morava em Campo, o povoado, e o outro morava em Astorga. Diante da insistência de Antônio, o que morava em Campo avisaria o de Astorga que trem Antônio tomaria. Este, ao chegar, seria simplesmente seqüestrado por um grupo de parentes e amigos, que tentariam, por todas as formas, dissuadi-lo de seu intento. Não se sabe bem por que, certamente por uma dessas intervenções em que Deus não aparece para assinar, Antônio acabou pegando o trem um dia depois do combinado e... os que tencionavam seqüestrá-lo acharam que outros já tinham feito isso antes deles. Quando, enfim, souberam da verdadeira história, Antônio já estava entre os Redentoristas em Astorga.
Em 14 de agosto recebeu o hábito e iniciou o ano de Noviciado em Astorga mesmo, pois a casa própria para isso, em Nava Del Rey, estava em reforma. Terminada a reforma, transferiram-se para lá os noviços e ali concluíram o Noviciado.
No ano de Noviciado, entretanto, aconteceram alguns episódios dignos de nota, não tanto por conta dos noviços, e sim de seu santo padre Mestre, o francês padre Chavatte. Esse inesquecível sacerdote usava métodos bem seus para provar os noviços. Ao notar, por exemplo, algum noviço vacilante na virtude da humildade, mandava que fosse ao campo e desse um abraço em Platero. Platero era um burrico, aliás muito trabalhador, que durante quinze anos esteve a serviço da casa.
Não consta que frater Girón tenha sido submetido a essa prova. Padre Chavatte, no entanto, impôs-lhe uma que, no seu entender, iria dizer com segurança se o candidato estava firme na vocação. Como a casa estivesse passando por séria crise financeira, padre Chavatte mandou que frater Girón tomasse algumas folhas de jornal, colocasse-as em cima do altar e rezasse com todo o seu fervor pedindo a Deus que as convertesse em cheques bancários, se possível de bons valores. O bom noviço baixou a cabeça, dirigiu-se à capela, colocou as folhas de jornal sobre o altar e se pôs a rezar. De quando em quando levantava o olhar para ver se a transformação havia acontecido. Nada. Mais um tempo e... nada. E assim passou-se a noite e a luz do amanhecer do novo dia o fez ver com mais clareza que o milagre não acontecera. Para sua maior decepção, logo cedo vem a seu encontro o santo padre Mestre que, com um sorriso maroto no rosto, lhe diz que o milagre não se dera porque ele não sabia fazer oração... Mas houve quem afirmou que, de repente, a economia da casa começou a melhorar. Não foi então de todo perdida aquela noite...
Frater Girón emitiu os votos religiosos no dia 15 de agosto de 1889. Voltando para Astorga, ali cursou Filosofia e, em seguida, Teologia. Como no Seminário Diocesano, foi brilhante nos estudos. Sempre muito piedoso e atento ao crescimento da vida espiritual, chegou ao sacerdócio em 19 de maio de 1894.
A ordenação aconteceu em León, pois o bispo de Astorga havia falecido recentemente. Eram dezesseis os ordenados que, a 6 de junho, seguiram para o povoado de Viloria de Orbigo para cantar a primeira missa na igreja de um convento de monjas, onde viviam uma tia e uma irmã de padre Girón. Parentes e familiares seus estavam presentes em grande número, com a mãe à frente, em cujo semblante explodia felicidade.
Bons anos do início de sua vida de padre ele os foi alternando como professor em diversas áreas e como missionário, passando por várias residências. Confessor do Seminário, prefeito do Segundo Noviciado, Superior em várias casas, quatro vezes Consultor Provincial: isso dá uma idéia de sua multiforme capacidade de trabalho.
Homem talentoso, mas, sobretudo, homem de grande virtude: contemplativo, mortificado, observante da Regra, verdadeiramente exemplar. Embora não tivesse tido grandes qualidades como orador, soube entretanto escrever sermões de conteúdo para as missões, que, juntos com os de outro grande missionário, o Pe. Sarabia, mereceram ser publicados mais tarde.
Chegou pela última vez à casa provincial do Perpétuo Socorro, em Madri, nos primeiros dias do mês de julho de 1936, como que indo ao encontro do martírio, pois já no dia 20 do mesmo mês teve de deixar o convento para refugiar-se na casa de uma amiga da Congregação, a viúva do senhor Celorrio. Para não causar mal-estar à família, passou as três noites que ali esteve recostado numa poltrona.
Na ânsia de celebrar a missa diariamente, aventurou-se a sair de casa e ir até onde estava alojado o padre Superior a fim de lhe pedir permissão para passar para o Asilo das Irmãzinhas dos Pobres. Conseguida a permissão, transferiu-se para lá e se apresentou à Superiora das Irmãzinhas, colocando-se totalmente à disposição delas. Celebrava todos os dias e confessava a quem o procurasse. Logo ao chegar, expôs seu pensamento: “Eu viverei escondido. Mas, se me descobrirem, eu não dissimularei que sou redentorista”.
A um comunicado de que haveria vistoria no Asilo da rua Almargo, onde se encontrava padre Girón, transferiram-no às escondidas para o Asilo da rua Dr. Esquerdo; mas foi exatamente ali que acabou acontecendo a vistoria. Há quem seja de opinião que foi um senhor idoso que o acompanhou na transferência quem o denunciou. Escondeu-se na enfermaria, mas foi achado e detido junto com padre Requejo, um Lazarista.
Padre Girón, que tinha passos pesados e mancava um pouco, marchou resoluto e com um sorriso no rosto quando os milicianos lhes deram ordem para ir até o carro que os esperava fora. Durante o trajeto os dois foram obrigados a ouvir a conversa dos milicianos, conversa que tiraria o ânimo a qualquer valente. No meio do pelotão, ia um que parecia estar “debutando” como atirador. E os outros lhe diziam: “Hoje, você pode ensaiar bem, pois esses frades não se mexem”.
O carro desapareceu e... nunca mais se soube absolutamente nada deles. Nem seus restos mortais jamais foram encontrados.
Enquanto os levavam, iam os dois rezando e se deram mutuamente a absolvição. Segundo alguns, fuzilaram-nos junto ao muro do hospital São João de Deus; segundo outros, foi por perto do Asilo mesmo, a julgar pelo rápido regresso dos assassinos. As disposições em que se encontravam os dois religiosas nos últimos momentos, revela-as a conversa dos assassinos de volta de sua triste tarefa: “Havia que ver esses tios; não soltaram o rosário até o fim”.
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