DOIS IRMÃOS A CAMINHO DO MARTÍRIO
Quando estourou a guerra, fazia apenas dois anos que irmão Nicesio havia chegado a Madri, e nesses dois anos, com a humildade que lhe era característica, exerceu o cargo de hortelão. Pouco saía do convento, pouca gente conhecia.
Juntos, irmão Gregório e irmão Nicesio, no dia 20 de julho abandonaram o convento e abrigaram-se na casa de dona Trinidad Bru, viúva e mãe do padre Lino, diocesano e amicíssimo dos Redentoristas, que só não entrou na Congregação por ser filho único e ter de cuidar da mãe. Morreu, também como mártir, sem realizar seu sonho.
Ali viveram em paz, desfrutando do ambiente de carinho daquela família, até 27 de julho, dia em que o porteiro do prédio, acompanhado de um motorista, bateu à porta de dona Trinidad intimando-a, de forma autoritária, a tirar do prédio os dois religiosos. A bondosa mulher pedia-lhe educadamente, mas com insistência, que lhe desse mais algum tempo para conseguir outro lugar para abrigar seus hóspedes. O porteiro, no entanto, que não entendia de delicadezas, e com ameaças, manteve sua ordem.
Padre Lino, exibindo todo o porte de atleta que Deus lhe dera, saiu à porta, e com voz firme replicou ao porteiro: “Pois eu lhe asseguro que, com grosserias assim, não sairão senão por cima de meu cadáver”. O porteiro retirou-se sem dizer palavra. Poucos dias depois, o corajoso padre Lino, grande como um gigante, mas ingênuo como uma criança, caía varado por balas enquanto caminhava pela calçada.
Com uma documentação falsa que conseguiram para o irmão Gregório, ele e o irmão Nicesio saíram da casa de dona Trinidad e, com todo o cuidado, dirigiram-se a uma pensão na rua Pelayo. A proprietária da pensão preencheu a ficha de hóspedes e pediu ao irmão Gregório que assinasse. Mas aquele irmão Gregório, que em seu contato com o mundo tanto aprendera, não havia aprendido a dissimular. Declarou que aquela cédula de identidade não era sua. Diante disso, é claro, não puderam ser aceitos na pensão. Estavam, literalmente, na rua.
Recomendados pela senhorita Maria Ruiz, apresentaram-se ao Comissariado de Chambery. O Comissário, porém, dizendo-lhes que ali a vigilância dos milicianos era implacável, e, se os acolhesse, colocaria em risco a ele e a todos os demais que ali trabalhavam, lamentou, mas nada podia fazer. Apenas permitiu que ficassem num banco ao canto da sala, até que caísse a noite e se dispersassem as turbas e os milicianos que rondavam pela rua. Ali ficaram até a meia noite.
Quando viram a rua livre de inimigos, saíram e dirigiram-se à rua Arrando, que o irmão Gregório conhecia muito bem, pois trabalhara bom tempo num imóvel dessa rua reformando um sótão para transformá-lo em depósito do Editorial El Perpétuo Socorro. Esconderam-se ali por vários dias, enquanto durou o estoque de alimentos que traziam consigo. E por mais dois, que passaram sem comer praticamente nada, quando então foram socorridos por Maria Ruiz e Pepita Moreno.
Pepita, que tanto se desvelou por vários Redentoristas, visitava-os e levava-lhes alimentos, ao mesmo tempo em que procurava outro abrigo para eles. Mas foi Maria Ruiz quem acabou conseguindo a casa da família Quintanilla, na rua Covarrubias, a mesma rua do Editorial El Perpetuo Socorro. Como ninguém os viu entrar, tiveram mais alguns dias de paz.
Paz que durou pouco. Dia 14 de agosto, véspera da festa da Assunção, lá pelas duas da tarde, chegaram dois milicianos e levaram os irmãos. Não respeitaram nem a idade nem a doença do irmão Nicesio, que se achava de cama. Ao que tudo indica, ou foi o porteiro do prédio ou sua filha – “uma criatura perversa” -, como a classifica o padre Ibarrola, quem os denunciou.
Não se sabe quanto tempo ficaram no palácio de Valdeiglesias, transformado em casa de detenção para interrogatório e tortura, que foi para onde os levaram. O mais provável é que tenham sido mortos na madrugada da festa da Assunção, dia 15 de agosto de 1936.
Do irmão Nicesio contam que, com doçura na voz, disse ao chefe do pelotão: “E você se atreve a matar um velho, que pode ser seu pai e até seu avô?” E lhe deu um abraço. De um soldado, testemunha da execução, contam que saiu exclamando: “Que energia tem esse velho!” O primeiro a tombar foi irmão Gregório. Quando chegaram ao irmão Nicesio, pediu-lhes que o deixassem rezar uma oração. E, feita a oração, falou: “Agora podem disparar”. E eles dispararam. Em seguida, apenas juntaram os dois cadáveres e os abandonaram.
Quão maravilhosa se tornou essa estreita união, amarrada pela caridade! Este é, seguramente, um dos mais belos feitos da história dos mártires redentoristas da Espanha.
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