Por José Aparecido Cauneto Em Artigos

Espiritualidade mariana no documento de Aparecida – parte I

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Escrever a respeito de espiritualidade mariana parece ser a mais fácil das tarefas. Afinal, como afirmou o papa João Paulo II na Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, citando o teólogo Von Balthasar: «A dimensão marial da Igreja antecede sua dimensão petrina» (n. 27, nota 55). Tal pensamento teológico foi assumido pelo Catecismo da Igreja Católica, que faz expressa referência à citação de João Paulo II, no número 773. Poderíamos, então, extrair que a espiritualidade mariana, por preceder às demais, traz em si todos os elementos contidos nas outras espiritualidades, de forma que o trabalho de identificação de uma autêntica espiritualidade mariana, em tese, não se apresenta como dos mais árduos.

Contudo, já se passaram dois milênios e os teólogos – desde Santo Irineu, bispo de Lyon (nascido por volta de 135-140), considerado o primeiro teólogo da Igreja, até o atual papa Francisco – ainda não conseguiram esgotar os elementos mariológicos presentes na espiritualidade cristã. Por isso, discorrer a respeito da espiritualidade mariana no Documento de Aparecida representa, na verdade, um grande desafio. Primeiro, porque, sempre que se objetiva sistematizar a espiritualidade mariana, corre-se o risco de que os elementos de espiritualidade estudados apontem para um lugar comum a todas as espiritualidades. Segundo, porque a época em que vivemos, de mudanças profundas e rápidas, acentua a complexidade do contexto sociocultural onde os componentes de espiritualidade se formam e se manifestam, os quais sofrem a influência das ideologias dos intérpretes da realidade social.

Demais disso, os elementos de espiritualidade que emergem do Documento de Aparecida apontam para o germinar de novas espiritualidades, frutos da diversificação da organização eclesial experimentada nos anos que se seguiram ao Concílio Vaticano II, dentre as quais merecem registro: a espiritualidade da comunhão (DA 181, 189, 307, 309, 316 e 368), já tratada por João Paulo II na Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte; a espiritualidade popular (DA 259 e 263); a espiritualidade da missionariedade (DA 284 e 285); a espiritualidade do leigo (DA 209-214); a espiritualidade do serviço (DA 14, 32, 111, 162, 240, 272, 280, 289, 353, 358, 366, 412, 516, 517, 518).

Porém, não podemos ler o Documento de Aparecida sem considerarmos que o texto conclusivo foi produzido no santuário mariano mais visitado da América Latina, e um dos mais visitados do mundo, tendo recebido no ano de 2007, em que aconteceu a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, mais de 8,5 milhões de pessoas, segundo a assessoria de imprensa do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida. Nesse contexto, não seria possível que os bispos e demais delegados da Conferência não estivessem em contato direto com os milhares de romeiros e sua religiosidade popular, ainda mais que muitos dos participantes ficaram hospedados em hotéis próximos à Basílica. Apenas para ilustrar, hoje o Santuário Nacional de Aparecida é o segundo mais visitado no mundo, com 12 milhões de visitas registradas em 2013, somente perdendo para o Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, no México, que tem recebido anualmente aproximadamente 20 milhões de peregrinos.

Daí porque o Documento de Aparecida também é rico em elementos que apontam para uma autêntica e histórica espiritualidade mariana. Histórica porque não se trata de uma espiritualidade imposta ou sistematizada a partir de reflexões teológicas; ou, ainda, decorrente do exercício espiritual de algum santo ou de uma comunidade de religiosos. Mas sim, de uma espiritualidade florescida espontaneamente no coração dos fiéis e que, aos poucos, foi se arraigando na vida eclesial da comunidade cristã. E autêntica porque a V Conferência, reconhecendo o importante papel desempenhado pela religiosidade popular, ressalta a devoção mariana como aquela que «contribuiu para nos tornar mais conscientes de nossa comum condição de filhos de Deus e de nossa comum dignidade perante seus olhos, não obstante as diferenças sociais, étnicas ou de qualquer outro tipo» (DA 37).

De forma simples e completa, o Documento de Aparecida sintetiza a espiritualidade mariana como aquela que estabelece para nós uma relação direta com Deus, com os irmãos e com as realidades que nos circundam, a partir de três importantes aspectos mariológicos: a maternidade, o discipulado e a missionariedade.

Nos próximos artigos a respeito do tema, procuraremos extrair do texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe os elementos que nos conduzam à percepção de que a espiritualidade mariana pode ser um meio eficaz para tornar cada um de nós em autêntico discípulo de Jesus e, a exemplo de Maria – cuja vida é paradigmática a todos os cristãos –, um missionário a serviço do Reino de Deus.

Esperamos, assim, colaborar para o crescimento espiritual das pessoas que têm na verdadeira devoção à Santíssima Virgem a principal fonte de sua espiritualidade.

Ad Jesum per Mariam!

José Aparecido Cauneto

Membro fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí

e Membro da Academia Marial de Aparecida

 

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